sábado, 30 de dezembro de 2017

Inverno




"Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar"

O destino sempre me quis só.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Numa lágrima só


Uma hora atrás, de surpresa, você me disse o inevitável: estou indo embora. Uma frase curta numa mensagem em tom banal. "Estou pensando em nem voltar" - o embrião da despedida jogado assim por descuido. Em dois segundos mentalmente eu te levei no aeroporto pra te ver partir, te entreguei todos os textos que eu fiz pra você e nunca te mostrei, e numa lágrima só transbordei o afeto que eu não sei dizer.
Eu sempre te disse que ia voltar - me disse você sobre sua terra natal. Eu sempre soube que você ia voltar e no campo das possibilidades essa sempre residiu em mim, machucando um pouquinho. É que meus sentidos, meu caro, não possuem cartilha de sabedoria e o aviso prévio não vale assim de tanta coisa. Eu sempre soube que ia te ver partir, de outros modos já fizemos isso algumas vezes, mas é que dessa vez eu te vi de costas de mala na mão levando embora as possibilidades e o carinho no peito, e eu convulsionei.
Toda lágrima se gesta em mim como uma pequena convulsão - eu a sinto se formar bem aqui dentro, dobrar uma emoção num duto como quem vira uma esquina sem saber o que encontra por lá, e de espanto ou dor, grita. Essa lágrima que dobrou em mim junto com outras que vieram depois é o meu grito, aquele que eu não darei, e enquanto tento desesperadamente - como quem corre pra trancar uma porta - estancar essa saudade urgente e repentina transformada em gota transparente, eu te vejo de costas de mala na mão, e essa visão é a porta se fechando, essa de nós dois que deixávamos entreaberta.
Numa só lágrima eu ouço a porta bater e o som dos teus pés abafados se deixar levar, e já sozinha cantarolo Chico: como olhando o firmamento, pra poder lembrar-te sempre/ com o teu corpo em movimento, os teus lábios em flagrante, o teu riso, teu silêncio.


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Memória

Sofro de memória boa, como doença que a gente amaldiçoa. Por coincidência lia hoje pela manhã uma matéria sobre a construção das nossas memórias e o impacto delas na formação do nosso eu. A ciência já descobriu que as memórias afetivas são as mais fortes, as mais fáceis de acessar e talvez isso explique por quê por mais que eu queira, elas me atingem como socos invisíveis no estômago até nos detalhes mais banais.
Há dois dias pulou no meu celular uma foto tua beijando o rosto de outra garota. Eu quis dizer a mim mesma que podia não ser nada demais, seria possível se de imediato meu cérebro não tivesse espelhado nos meus olhos uma postagem de 2014 em que você fala do sofrimento de não ver os olhos dela todos os dias de manhã. Fui me certificar de que não era armadilha das minhas memórias, mas ela é tão certa que eu lembrei até o mês. Não foi difícil achar, mas é impossível esquecer. Eu sei que daqui dez anos eu vou lembrar desse dia, eu sei que essa maldita foto vai perseguir meus dias num pra sempre, que como já diz, nunca acaba.
Eu não sei mais viver com essa paralisante capacidade de lembrar. Com essa dolorosa incapacidade de esquecer. Eu queria que soprasse um vento que levasse embora Ariane, Ravena, Marcelle, Mônica e todas as palavras de carinho que você já dirigiu a elas e que me cortaram feito lâmina acesa por dentro. Eu sei também que esse vento tem nome, chama-se desamor, e hoje, mais que tudo, eu queria desamar você.
Semana passada eu te amei com a urgência dos endividados, te desejei em cada esquina, em todo livro, em toda rima de um poema. Há dois dias essa lembrança odiosa me faz te desejar longe, o mais longe possível de mim. Longe do meu abraço, dos meus olhos, e da minha lembrança. Eu não queria guardar lembrança nenhuma de você. Te ressentir hoje tem sido uma  doença.

sábado, 29 de outubro de 2016

Banzo

Banzo era a palavra usada pelos escravos trazidos ao Brasil pra designar o sentimento de saudade de sua terra natal.

Banzo é nostalgia profunda, dessas que sufocam e emudecem.

Banzo é uma saudade que apequena o mundo e o reduz a um único lugar.

Tem dias que eu acordo com saudade, mas hoje a saudade é que me acordou. Tive sonhos difíceis em que te deixar era a única constante, e acho que de tanto te perder na madrugada acordei querendo me agarrar a cada vestígio de você pra ter certeza que fora só um sonho. De olhos fechados apalpei o espaço vazio no colchão e a falta de você fez a cama parecer grande demais pra o meu corpo pequeno - grande feito tempestade de verão, grande feito algaroba na caatinga. 

Ocupei metade do meu dia procurando passagens aéreas de todos os pontos imagináveis até você e amaldiçoando a enormidade desse país. A outra metade eu desperdicei tentando nomear essa saudade que é grande demais pra caber em sete letras, grande feito o nome de Pedro I e a distância entre nós.

Tenho banzo - precisão de estar com você. 
Tenho banzo - essa saudade sufocante sem hora pra cessar.
Banzo - esse silenciamento de alma de não se pertencer.
Banzo - como um Atlântico a nos dividir.

Hoje pela manhã quis criar raiz no teu sorriso pra mesmo fora do teu abraço ter algo forte, profundo ( e por que não belo?) feito banzo pra me agarrar.


sábado, 7 de maio de 2016

Pelas mãos de Clarice.

Desde que você escreveu pra mim eu penso que preciso te escrever de volta. Desde que li a primeira linha do presente de aniversário mais bonito que recebi eu penso num modo de retribuir toda a tua sensibilidade. Mas não podia ser em qualquer hora e nem por obrigação, é que
escrever tem hora certa, essa hora que os sentimentos já não cabem mais em você e transbordam.

Hoje eu precisava te escrever, Melka, não mais pelo texto, não mais pela cumplicidade, não mais pela poesia. Eu precisava te escrever porque tu me emociona e eu perdi a conta de quantas vezes isso já aconteceu. Me emocionei com a pureza das tuas convicções puxando uma paralisação de estudantes no estado inteiro no dia do teu aniversário; me emocionei quando te vi chegar carregada nos ombros com dezenas de estudantes que te acompanharam na passeata de 2013; eu me emocionei no dia em que a gente saiu tarde de uma reunião de repasse e tu cheia de preocupação me fez te ligar pra avisar que eu tinha chegado bem em casa; me emocionei com teus textos, com teu desprendimento e com a espontaneidade de tudo que emana de ti, e dias atrás aqui mesmo nessa cadeira de onde eu escrevo, eu chorei uma emoção que é tua. Acho que cumplicidade é isso, dividir à ponto de sentir pelo outro. E eu sinto gratidão, sinto alegria, sinto uma boniteza imensa da pessoa que tu é.

Um lado teu acessível à poucos salta das linhas que tu escreve e de tudo que carrega teu blog uma frase fica pra mim como uma espécie de prova irrefutável do tanto de beleza que carregas: "eu não vou magoar ele, se ele quiser que me magoe."

Que bom que no mundo tem amor. Um tanto de amor bem grande, onde cabe duas pessoas. Um tanto de amor bem grande escrito num caderno de tecido com folhas costuradas talvez à mão, mãos talvez trêmulas de uma alegria acompanhada de medo, mãos de quem talvez costura sonhos como você, mãos de Clarice, de Luis, ou de Anita. Mãos que emocionam desde o primeiro momento. Que as tuas sigam semeando esse tanto de poesia.

Obrigada, minha amiga, pelo tanto de emoção que me desperta.




quarta-feira, 2 de março de 2016

Uma Carta Para Maria

Sabe Maria, esse blog é dedicado apenas às minhas mais profundas emoções e carrega toda a minha intimidade, tristeza e alegria. Tudo aquilo que me tocou de um jeito tão profundo que não podia ficar aqui latejando na solidão de mim. Nunca imaginei que qualquer linha desse blog fosse carregar o nome teu, mas hoje Maria, toda a minha emoção pertence unicamente a você.

                   Uma Carta Para Maria

Não pude durante todo o dia tirar Maria da minha cabeça. Acho que não poderei por toda vida tirar Maria da minha cabeça. Eu sempre fui indiferente à vida de Maria, eu declarei desagrados por Maria, eu não enxergava em Maria nada que pudesse nos unir. Hoje eu ouvi um relato sobre você, e desde então um reboliço tá acontecendo aqui em mim. Quando me falaram de você Maria, você estava em casa após terem tirado você do banheiro no qual você foi trancada após apanhar. Eu ouvi que foram tapas, ouvi que foram empurrões, eu ouvi que você caiu no chão e que foi chutada, eu ouvi que você sangrou. E desde então eu tenho sangrado com você, por você. Eu ouvi que a tua família não te apoiou, que disseram que você era a vergonha deles. Eu ouvi que o teu agressor te bateu pouco. E até aí  havia me doído cada palavra, mas essas últimas me feriram a alma, o pensamento, e a fé. É que você Maria, não estava apenas sangrando. Você estava sangrando sozinha por ser exatamente o que eu também sou: mulher.
Eu chorei o dia inteiro as tuas lágrimas que também são minhas, que também são de minha mãe, que também são de minhas tias, amigas, que são de tantas anônimas que não poderiam te conhecer, são daquelas que ainda nem chegaram ao mundo.
Questionaram as minhas lágrimas. Não pode ser verdade, você não gosta de Maria, me disseram o dia inteiro. E mentalmente eu respondia que não podia ser verdade que ninguém entendesse que nenhuma desavença é maior que a dor do que te acometeu, do que nos acomete. Te escrevo essa carta Maria, pra dizer que acima de qualquer diferença, hoje, as minhas lágrimas foram tuas, o meu pensamento é teu. Pra te dizer Maria, que hoje, acima de qualquer desavença o que nos une é muito maior do que o aquilo que nos separa. Eu repeti por convicção uma frase durante muito e muito tempo, e hoje eu entendi com os olhos da sororidade o óbvio e incontestável: a dor de uma é a dor de todas. A tua dor também é minha e vou sentí-la por ainda muito tempo todas as vezes que me vir refletida no espelho.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Quem sabe um dia, por descuido ou poesia, você goste de ficar.

Livro chega com dedicatória. Vinho não. Um livro deixa lembranças gravadas em celulose pela vida inteira. Vinho não. Um livro pode ficar o quanto quiser na estante exibindo a qualquer um as linhas tortas de quem o dedicou. Um vinho não.

Chego a você esta noite com um vinho nas mãos - um presente não corpóreo pra não deixar vestígios de mim. Um presente sem vestígios, como o não concreto de nós dois. Um presente pra sorver num gole só e amanhã, junto com a garrafa vazia, restar somente a sensação de que foi sem nunca ter sido.
                                                
Chego a você essa noite com um presente não corpóreo nas mãos e uma carta no fundo do bolso. O  vinho quero que beba por inteiro seja lá com quem for, e que a cada gole você lembre furtivamente de mim. A carta não. A carta eu a quero guardada no fundo do teu bolso, do teu baú, da gaveta trancada a sete chaves, como o meu furtivo desejo de ser, as minhas emoções espelhadas na tua retina.

Depois de te deixar pela décima sétima vez a carta volta queimando no meu bolso, como brasa que esqueceu de apagar. Peço ao táxi pra seguir caminho pela rua da saudade, e pela janela deixo a carta voar sem rumo por entre as ruas de nome de poesia.

Na ilusão das minhas linhas te imagino ao meu lado numa fotografia qualquer com dedicatória em tua letra com data e lugar. Na solidão de minha cama miro o livro que você me deu, ali clandestino, sem rastro e sem desejo de ficar.

Foi amor sem nunca ser. Paixão sem querer sentir. Ardor sem querer acabar. Foi ficar sem querer partir.

Pela rua da saudade voa agora o único vestígio de você em mim, e pela décima sétima vez me despeço de tudo aquilo que ainda não fomos nós.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Me Valendo dos Outros pra Falar de Você

Nas horas em que eu me permito ser eu mesma na plenitude, gosto de sem culpa inundar a casa com o ar dessa gente meio louca e desapegada. Tenho me deliciado com a loucura sem pudor da Jout Jout no seu canal do youtube e na doçura de descobrir que o encontro dela com o Caio aconteceu na Casa Rosa, uma casa de shows que reúne uma galera alternativa no bairro de Laranjeiras onde eu mesma já vivi os meus encontros. Fiquei pensando em como é improvável e bacana quando duas pessoas assim, feitas do mesmo material emocional, se cruzam na vida, como a Juliana e o Caio, a Clarice Falcão e o Gregório Duvivier.
Tô me valendo dos outros pra falar de você. É que a Clarice uma vez cantou: "hoje eu falei pra mim, jurei até, que essa não seria pra você e agora é" e deu com essa frase a licença poética que eu precisava pra falar de você mais uma vez. Me convenci de que eu vou falar de você até a gente se desvencilhar da gente, até essas coisas todas que eu senti se solidifiquem numa outra coisa qualquer e tal qual a música do Caetano, nós possamos em fim, nos reunir num outro nível de vínculo.
Já passou a fase de sofrer pelo o que já não somos nós, e com a chegada do ano novo eu não quero revisitar antigas mágoas, mas fica ainda aqui, latejando como coisa viva, a ideia de você na minha cabeça. E eu sempre tão firme de pensamento me sinto atordoada de não saber o que fazer de uma ideia. É que a gente já se negou tanto que a palavra nós se demitiu, afinal o que há de ser de uma palavra sem significado? E apesar disso eu ainda me pego imaginando você como mais que o amigo que sempre será. Apesar disso eu ainda quero te comprar cervejas especiais e conversar com você no meu colo até às 04 da manhã. Apesar disso eu vou me preocupar menos com o peso da mochila pra viajar porque eu tô contando que ela vá nas suas costas. Nós nunca fomos, mas nunca foi tão leve e confortável estar com outro alguém. Nós não somos, mas você ainda é a minha melhor companhia. Nós nunca seremos, mas por um tempo indeterminado eu vou pensar em você quando escrever uma coisa qualquer. Mais que nunca eu não sei que tipo de sentimento nos une, mas o meu riso ainda está na esquina esperando o teu passar.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Uma Coisa Qualquer de Poesia

Disse o poetinha que toda mulher pra ser bonita tem que ter uma coisa qualquer de tristeza. Por razões óbvias eu discordo do gênero. Mas há, indiscutivelmente, em toda tristeza uma coisa qualquer de poesia. E talvez por isso que eu tenha cultivado esse hábito de recorrer a esse blog quando as emoções indesejadas me inundam. Eu penso bonito quando estou triste

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

365



E naquela noite eu fui pronta. Pronta pra descobrir se as palavras que haviam alimentado minhas últimas semanas faziam sentido estando fora do celular já antigo, desprotegidas daquela luz azul que se projeta da tela e faz tudo parecer tão perto e tão irreal. Fui movida por um desejo já não tão novo de me permitir. De me arriscar a sentir e de sentir que me arrisquei. Fui pronta pra dizer o teu nome forte e demoradamente pra sentir qual era o efeito que causava no mundo real o resvalar das tuas letras invisíveis nos meus lábios. Saboreei, como quem soletra, o gesto simples de dizer o teu nome em voz alta, até as palavras saírem redondas, com a maciez de quem pensa palpar o invisível, de quem pensa, falando, projetar no universo os sentimentos ainda em gestação. Falar você era admitir ,enfim, a existência das tuas impressões fazendo morada no meu pensamento. Era admitir você em mim, com todas as luzes e sombras que havia nisso. Fui pra descobrir que o teu nome nos meus lábios tinha gosto de fruta colhida do pé. Pra 365 dias depois atestar que a palavra tem um místico poder, e que  desde aquele dia ecoa no tempo o que resta de nós dois num farfalhar das tantas páginas de burocracia que o desejo revelado em palavras deixou escorregar. 

Mutatis Mutandis tudo continua igual.